Em julho de 2021, decidi comprar o audiolivro de Crying in H Mart num ato impulsivo. Eu nunca tinha ouvido audiolivros antes, mas vi a Michelle Zauner divulgar a versão em áudio do livro na sua conta no Instagram e achei que a experiência de ouvir um livro poderia me tirar do torpor da pandemia.
Era verão na Holanda e eu estava disposta a sair de casa para caminhar pelo bairro. Todo fim de semana eu colocava meus óculos escuros e fones de ouvido e andava até um parquinho que ficava a 300 metros do meu antigo apartamento. Eu escolhia um banco vazio para sentar e aproveitava a sensação de disfarce que os óculos escuros e fones me davam para observar as pessoas à minha volta. Por conta das minhas observações, eu me distraía e perdia algumas passagens do livro, mas logo voltava a prestar atenção e não sentia a necessidade de voltar a narração. Era como se eu estivesse com a autora ali sentada naquele banco enquanto a vida acontecia em volta da gente.
O livro me acompanhou durante o mês inteiro e me fez chorar na rua pela história que a Michelle viveu nos meses em que a mãe esteve doente. Também chorei pelo meu pai, que na época estava internado no hospital a muitos quilômetros de distância de mim.
A minha decisão de ouvir o livro foi em parte por eu gostar da voz da Michelle. Acompanho o Japanese Breakfast, a banda da autora, desde 2016.
No final de 2022, escolhi como um dos meus objetivos para o ano de 2023 voltar a ouvir audiolivros1. Eu tinha comprado uma esteira para correr em casa e estava determinada a não fazê-la de cabide. Então pensei que poderia juntar as duas atividades.
Diferentemente de correr na rua, correr em casa olhando para um lugar fixo tem menos distrações. O objetivo dessa newsletter sempre foi escutar de uma forma mais atenta. É um esforço constante.
É verdade que, ao ouvir um livro, perdemos meios como fotos ou ilustrações, mas também podemos ganhar uma nova camada, como músicas e outros sons, além da própria narração.
Os livros que ouvi esse ano têm em comum o fato de serem livros de não ficção. Livros em que a palavra em si não pesa tanto quanto o que está sendo contado. Alguns deles eu não leria em papel ou não seriam prioridade nas minhas leituras. Isso não quer dizer que eu não tenha gostado desses livros, pelo contrário. Fiquei feliz de ter dado uma chance a alguns deles.
Mas vamos aos livros!
Comecei o ano ouvindo Just Kids da Patti Smith. Nessa autobiografia, Patti conta o que viveu com o fotógrafo Robert Mapplethorpe. Apesar de ser um livro sombrio, que caiu muito bem para o inverno, foi uma ótima oportunidade de conhecer a história da cantora. Como essa mulher viveu!
Em fevereiro, ouvi Faith, Hope, and Carnage, um livro de conversas entre Nick Cave e o jornalista Sean O'Hagan. O músico fala entre outras coisas sobre o luto de ter perdido o filho. Durante a audição do livro, meu gato foi diagnosticado com uma doença terminal e eu acabei ouvindo o livro de outra forma. O audiolivro passa a sensação de que estamos mesmo ouvindo uma conversa entre os dois. E no final de cada capítulo toca uma música do Nick Cave.
No mês de março, comecei How Music Works do David Byrne. Comprei o livro físico quando ele foi lançado, mas não conseguia terminar a leitura porque nunca estava no clima. Sou fã do Talking Heads e Byrne é um dos meus músicos preferidos da atualidade. Dito isso, foi muito bom poder ouvi-lo contar a história da música e da sua vida nesse livro que é parte autobiografia, parte livro teórico. Infelizmente Byrne só narra a introdução do livro.
Em abril foi a vez de Joni Mitchell: In Her Own Words, um livro formado por conversas entre Joni Mitchell e a jornalista Malka Marom, que aconteceram entre 1973 e 2012. Joni conta sobre sua infância com poliomielite, sua relação com a mãe e o ex-marido abusivo de quem ela herdou o sobrenome. Também conta sobre o processo criativo por trás de alguns dos grandes sucessos da cantora. O tempo começava a melhorar na Holanda e pude ouvir o livro não só correndo na esteira de casa, mas nas minhas caminhadas ao parque.
No mês seguinte, maio, ouvi Changing My Mind: Occasional Essays, uma coletânea de ensaios escritos pela Zadie Smith. Li mais de uma vez o ensaio que a autora escreveu sobre a Joni Mitchell para a The New Yorker, mas esse foi meu primeiro livro dela. Confesso que não me agradou muito, com exceção do ensaio Dead Man Laughing, que ela escreveu sobre o pai. Nesse mesmo mês ouvi também This Woman's Work: Essays on Music, formado por ensaios escritos apenas por mulheres. Os textos desse livro, editado por Kim Gordon e Sinéad Gleeson, são sobre música, mas também sobre outros temas como identidade, política e relacionamentos, bem do jeitinho que eu gosto.
Em junho, ouvi Hunger: A Memoir of (My) Body, livro de memórias da Roxane Gay. Não é um livro fácil de ler, muito menos de ouvir, e admiro a coragem da autora de escrever e querer narrar o que viveu.
Se você me acompanha desde a minha antiga newsletter, deve saber da minha obsessão pandêmica pela dança. Em julho desse ano, ouvi o audiolivro Dance Your Way Home: A Journey Through the Dancefloor da escritora e jornalista Emma Warren. Fui atrás do livro em busca da história das pistas de dança pelo mundo, mas o livro tem como foco a cultura da dança no Reino Unido, de onde a autora vem.
Para agosto, escolhi ouvir The Creative Act: A Way of Being do Rick Rubin. Estava esperando bastante do livro já que o autor é um dos maiores produtores da música, mas acabou sendo mais uma experiência meditativa do que outra coisa.
Setembro foi o mês em que perdi meu pai. Enquanto eu pegava um voo de última hora para chegar a tempo do velório, voltei a ouvir Crying in H Mart. Dois anos se passaram desde a minha primeira audição do livro e é bizarro pensar em como tanta coisa mudou. Na volta para a Holanda no final do mês, comecei a ouvir Stay True do Hua Hsu. Assim como Michelle, Hua é a segunda geração de imigrantes asiáticos nos Estados Unidos, filho de pais taiwaneses. Nesse livro, o autor, que também escreve sobre música para a The New Yorker, conta sua história de amizade na faculdade com Ken, um jovem de família nipo-estadunidense que morre de forma trágica após ser sequestrado.
Em outubro, ouvi I Want to Die but I Want to Eat Tteokbokk da coreana Baek Sehee. Parte livro de memórias, parte autoajuda, o livro é formado por uma série de conversas entre a autora e sua psiquiatra. É difícil para mim avaliar um livro desse tipo, mas foi um dos que menos gostei de ouvir.
No mês de novembro, ouvi Manifesto: On Never Giving Up da Bernardine Evaristo. Ainda não tinha lido nada da autora e foi uma ótima forma de ser apresentada à sua obra. Nesse livro, Bernardine conta sua trajetória até se tornar uma autora premiada. Filha de mãe inglesa e pai nigeriano, Bernardine começou a lidar com o racismo muito cedo na sua vida no Reino Unido. Isso não a impediu de ir atrás de uma vida livre da opinião dos outros, tanto pessoalmente quanto profissionalmente. O audiolivro é narrado pela própria Bernardine, numa leitura fluida e divertida.
Esse mês, entrei no hype e estou ouvindo The Woman in Me, a autobiografia da Britney Spears. É revoltante ouvir os relatos sobre o que ela passou nas mãos da família e entendo sua decisão de não querer narrar o livro. Em compensação, a escrita não tem me envolvido muito, nem mesmo com a narração espetacular da atriz Michelle Williams.
Ainda não escolhi os livros que vou ouvir ano que vem, então aceito recomendações de audiolivros de não ficção.
Um abraço e até 2024,
Maíra
Fiz uma inscrição no Audible, serviço de audiolivros e podcasts da Amazon, mas ano que vem estou planejando migrar para o Libro FM. Apesar da assinatura mensal ser mais cara, a plataforma compartilha os lucros com livrarias independentes.
Para quem não consegue acompanhar a leitura em inglês ou prefere ouvir em português, recomendo o Toca Livros.
Amei a lista. Tenho pensado em experimentar audiolivros, inclusive minha cunhada só consome livros dessa maneira e ficou vendendo o peixe pra mim na viagem em que estou. Boas festas e boas leituras em 2024. Bjs
Nunca ouvi livro (frase engraçada de escrever). É meio como podcast, não consigo encaixar na minha rotina. Acho esquisito parar pra ouvir e se faço outra coisa junto me distraio. Talvez pra caminhadas desse certo, vou ver se arrisco uma hora dessas.
Bom 2024!